sexta-feira, 28 de outubro de 2011

Curiosidade Paulista - Conhecendo a Itália Sem Sair de São Paulo






O Brasil é o segundo país do mundo em população italiana, superado apenas pela própria Itália. Dos cerca de 25 milhões de imigrantes italianos e seus descendentes que vivem no País, metade estão no Estado de São Paulo. Não é por acaso que, ao circular pela Capital, é possível ver, ouvir, sentir, cheirar e saborear a presença italiana no dia-a-dia dos paulistanos.
São Paulo celebra a imigração italiana de diversas formas: da arquitetura e culinária ao sotaque e vida cultural. Há um pouco da Itália espalhado por todas as regiões. Convido o leitor para conhecer a história italiana no Brasil em um roteiro pela cidade.
Vejo esse passeio pela Itália que existe em São Paulo partindo da sede do Governo do Estado de São Paulo, o Palácio dos Bandeirantes, no Morumbi, cujo projeto básico foi feito pelo grande arquiteto italiano Marcelo Piagentini. A idéia inicial era que fosse a sede da Universidade Conde Francisco Matarazzo, imigrante italiano que aqui chegou em1886 e transformou-se em ícone da industrialização do Brasil.
Desço pela Rua das Begônias, em direção à Avenida IV Centenário, para contemplar a belíssima Praça Cidade de Milão que abriga a Fonte Milão-São Paulo, formada, ao centro, pelos brasões das duas cidades; nas laterais estão quatro estátuas (Noite, Aurora, Crepúsculo e Dia), réplicas de obras renascentistas de Michelangelo, que estão na Capela dos Médici, em Florença, Itália. Aliás, Milão e São Paulo são cidades-gêmeas desde 1962, quando foi fundado, na cidade italiana, o Largo de Brasília e, em São Paulo, a Praça Cidade de Milão, inaugurada pelo prefeito Prestes Maia. Em 2003, a fonte foi restaurada com recursos enviados pela Itália.
A alguns metros dali está o Parque do Ibirapuera, onde fica o prédio da Bienal, denominado Pavilhão Cicillo Matarazzo. Inspirado na Bienal de Veneza, Cicillo, filho de italianos, realizou a primeira Bienal de Arte de São Paulo em 1951. No Parque, fica ainda o Museu de Arte Moderna (MAM), também criado por ele, como um dos primeiros locais destinados para a produção modernista no Brasil.
Essencial para essa experiência será cruzar o Parque e visitar o antigo prédio do Detran, obra de Oscar Niemeyer, que segue em reforma para, ainda este ano, tornar-se sede do Museu de Arte Contemporânea (MAC), cujo acervo inicial, com cerca de 700 obras, foi fundado, também, por Cicillo Matarazzo. No acervo do novo MAC estão grandes obras de artistas italianos, como o auto-retrato de Modigliani, importantes quadros de Giorgio De Chirico e a escultura Cavalo de Marino Marini.
Ainda na região do Parque, vislumbro uma grandiosa obra do escultor italiano Galileo Emendabili. É o Obelisco Mausoléu aos Heróis de 32. O escultor, que morou em São Paulo, é também o autor da obra em homenagem a Ramos de Azevedo, hoje exposta na Cidade Universitária. Continuo a rota e, mais à frente, encontro o famoso Monumento às Bandeiras, um símbolo da cidade, feito por Victor Brecheret. Poucos sabem, mas, apesar do sobrenome, Brecheret nasceu na Itália, em Farnese, uma cidade perto de Roma.
O ritmo de São Paulo dita o fluxo de carros em direção ao centro da metrópole. Estou agora na 23 de Maio, e do outro lado da avenida, vejo o prédio da IBM, projeto do arquiteto italiano Giancarlo Gasperini. Construído no início dos anos 70, é um exemplo da inconfundível estética contemporânea de um grande arquiteto italiano que adotou São Paulo para viver.
Não é impossível passar por toda essa espécie de rapidez metropolitana e deixar monumentos pelo caminho. Refiro-me a um do Vale do Anhangabaú, o Monumento a Giuseppe Verdi, ilustre compositor italiano, feito por Amadeu Zani, o mesmo das esculturas que homenageiam Álvares de Azevedo, no Largo de São Francisco, Cesário Mota e Caetano de Campos, na Praça da República, e Alfredo Maia, na Praça Julio Prestes.
Há um fato indiscutível no centro de São Paulo: a concentração de marcas da influência italiana. Começo visitando três importantes prédios. Numa extremidade fica o Edifício Matarazzo, a maior construção em mármore travertino do mundo; modelo da arquitetura clássica italiana da década de 20, projeto de Marcelo Piagentini com Ramos de Azevedo. O prédio, construído por Francesco Matarazzo Junior, homenageou o seu pai, o conde Francesco Matarazzo, que aqui chegou em 1886, era sede das indústrias Matarazzo e, hoje, da Prefeitura de São Paulo.
Não posso deixar de passar também pela Praça João Mendes para ver a escultura “O engraxate e o jornaleiro”, de Riccardo Cipichia, que também é o autor de “A pega do porco”, obra que fica no Parque do Ibirapuera, no local que acabou conhecido como a “praça dos porquinhos”.
Outra evidência da presença italiana no centro é o edifício Martinelli, na Rua São Bento esquina com a Avenida São João. Primeiro arranha-céu da América Latina, foi inaugurado em 1929. O Comendador Martinelli mandou construir sua casa no alto do edifício para que os mais céticos acreditassem que ele não cairia.
Logo em seguida, dirijo-me ao Viaduto Santa Efigênia. Com suas linhas leves e harmoniosas, liga o Largo de São Bento ao bairro de Santa Efigênia. Tudo projetado pelos italianos Giulio Michele e Giuseppe Chiappri.
Nesse curioso roteiro pelo centro, incluo, quem sabe, a mais importante construção da região central, o Teatro Municipal, projetado pelos arquitetos italianos Domiziano e Claudio Rossi. Em frente ao teatro, está a obra “Monumento a Carlos Gomes”, de Luigi Brizzolara, homenagem ao compositor da ópera “O Guarani”. Nascido no Brasil, Carlos Gomes tinha estilo próprio, mas sua música teve muita influência da tradição italiana.
Do intitulado “centro velho”, passo ao “novo”. Lá está o Edifício Itália, o segundo maior do País em altura e um dos maiores exemplos de arquitetura verticalizada brasileira. O famoso Terraço Itália, no topo do edifício, oferece aos visitantes uma vista 360 graus da cidade. É um dos principais pontos turísticos paulistanos, além de ter um excelente restaurante – italiano, claro. No mesmo prédio, no 1º andar, fica o Circolo Italiano, que este ano completa 100 anos. Lá, faço uma parada, digamos, obrigatória: saborear alguma das massas com o melhor molho “bolognese” e uma raríssima língua “al madera”, comparável apenas à do Restaurante Gigetto, na Rua Avanhandava.
Já em direção ao leste da cidade, sigo firme para o bairro do Glicério. Deparo-me com a sóbria Igreja Nossa Senhora da Paz, que servia de apoio espiritual aos italianos que chegavam ao Brasil na década de 40. Lindamente decorada por afrescos do artista italiano Fulvio Pennacchi, aos poucos, a igreja passou a receber pessoas vindas de outros países além da Itália e passou a ser conhecida como Igreja dos Imigrantes. Até hoje, no primeiro domingo de cada mês, o padre Giorgio Cunial, de Possagno, reza a missa em italiano. A igreja Nossa Senhora da Paz é uma beleza típica da estética italiana.
A presença da indústria é marcante por toda cidade, especialmente nos bairros do Brás, Mooca e Belenzinho, onde a presença italiana se mantém forte – nota-se claramente o sotaque! – tanto pelos grandes prédios industriais como pelas vilas operárias, que acolheram os imigrantes que chegavam para ser a força de trabalho. Em uma dessas hospedarias, localizada na Rua Visconde de Parnaíba, na Mooca, foi criado o Memorial do Imigrante, atualmente em reforma, para reunir e preservar, documentos, objetos e a memória da imigração no Brasil.
Continuo no sentido da zona leste de São Paulo. O Parque Piqueri, no Tatuapé, traz lembranças da minha família. Explico-me: o Parque tem até hoje o portão original de quando era a casa de campo dos meus tios. Além de pomar, granja, criação de animais, como búfalos e lhamas, havia no local uma fábrica da verdadeira “mozzarella”, que abastecia parentes e amigos. Na mesma terra foram plantadas várias espécies de árvores – nativas e exóticas – na tentativa de conhecer aquelas que melhor se aclimatavam em São Paulo. Em 1976, a área foi desapropriada e definitivamente incorporada ao patrimônio municipal. A inauguração do parque ocorreu dois anos depois. Sem dúvida, é mais um lugar da cidade que vale a pena conhecer.
Na pausa para o descanso, sem perceber, lembro-me das tradicionais festas de rua promovidas anualmente pela comunidade italiana. Um exemplo é a da Rua Caetano Pinto, no Brás, onde fica a pequena igreja de Nossa Senhora de Casaluce, que todos os anos realiza uma bela festa italiana de rua. Nos mesmos moldes, não posso deixar de lembrar das festas de São Vito, no Brás, de San Genaro, na Mooca, e de Nossa Senhora de Achiropita, no Bixiga, que transformam esses bairros em “pequenas Itálias”. Em matéria de festa de rua, é fundamental citar as Ruas Avanhandava e 13 de Maio, onde encontramos uma infinidade de cantinas criadas e freqüentadas pelos imigrantes italianos e seus descendentes.
E por falar em Avanhandava, de ponta a ponta, a rua é ocupada por restaurantes, pizzarias e cantinas, que levam o nome de Walter Mancini, um personagem da cidade. Como Mancini, outros nomes italianos estão nas ruas e na mídia em São Paulo. Difícil não lembrar da família Civita ao folhear uma revista. Da mesma forma, ao ler o jornal, também encontramos nomes notáveis de representantes italianos.
Depois de andar por toda cidade nesse roteiro turístico ítalo-paulistano, é hora de jantar em uma das cantinas da cidade. Paro na Cantina do Gigio, na Rua do Gasômetro, no Brás. A decoração, os pratos, os vinhos, tudo faz com que nos sintamos na Itália. Mas não, estamos em São Paulo, e fica fácil perceber. A cantina é uma síntese da integração das colônias que para cá imigraram: o cantor de ópera é um japonês grisalho com pronúncia perfeita.
PS: para um descendente de italianos, melhor ainda seria jantar depois de acompanhar uma sonhada partida entre o Palestra Itália e o Juventus (da Mooca). O único problema nesta disputa é escolher para quem torcer.

Artigo de Andrea Matarazzo
Fonte: Revista Itália em São Paulo 2011
Publicado em 15 de Agosto de 2011

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